DESPACHO - Jorge Schutze - AL
João Antonio
Ator, diretor, professor
Um homem comum se aproxima de alguém e pergunta se pode
dançar. Não é um jovem. Sua roupa é mais simples do que a da maioria dos que
estão no ponto de ônibus no Setor Comercial Sul. Repentinamente ele se
movimenta. O espaço à sua volta também se move. " Ele me assustou, não
sabia quais eram suas intenções. Hoje em dia, tudo é muito perigoso. " Uma
jovem sorri, um menino gargalha, um homem se afasta, uma menina dança com ele.
Caminha ao lado, em volta dos passantes, olha nos olhos, conversa, convida.
Jorge Schutze não é o estereótipo do bailarino, nem do ator.
É um homem corajoso. Salta no precipício da incomunicabilidade e consegue
provocar reações, estabelecer relações. Interfere no cotidiano com delicada
firmeza, com suave presença, com amorosa provocação. O perigo da agressão é
eminentemente. Olhares apreensivos , ameaçadores, policialescos são afastados
por sua tranquila energia, sua sensibilidade.
Despacho é um dos trabalho que mais justifica o título de
intervenção urbana. Só acontece quando uma relação se instaura. Raramente é
possível saber o que realmente acontece se o observador não está envolvido.
Jorge, no seu texto de apresentação diz que o trabalho
" é uma tentativa de encontrar sabor na relações humanas". Tenho
certeza que encontrou. Seu despacho foi aceito por Exu, o Orixá da comunicação.
O convite irresistível para dançar com Jorge Schutze
Sérgio Maggio
Jornalista, escritor, direto
Despacho é uma palavra tipicamente ligada à alegoria da rua.
Nas religiões de matriz africana, por exemplo, é uma forma de materializar
energias negativas e lançá-las a céu aberto, para que os “donos das
encruzilhadas” a devorem, deixando corpo, alma e caminhos leves. Nesse sentido,
o bailarino Jorge Schutze (AL) exorciza, por meio da dança, as “quizilas” que
existem entre humanos desconhecidos, os que nunca foram apresentados um ao
outro. Carregam, portanto, entre si o peso de serem estranhos, de não nutrirem
afetos por não existir um vínculo social possível.
“Despacho”, a performance, é um convite para aproximações e
possibilidades, a partir de um inusitado convite: “Posso dançar para você?” Ao
lançar o inesperado convite, Jorge Schutze oferece não só corpo, mas toda a sua
partitura de movimentos colecionados em trajetória artística. A sua dança é
como uma oferenda. Assim, estabelece, a partir do nível de resistência do
interlocutor, um jogo singular de construção a dois. Num tempo que não é o do
relógio, instala laços que seduzem, envolvem, emocionam, estranham ou repulsam.
Não importa o resultado da dança em si. O impacto da
abordagem tem um efeito deslocador. Seja para quem abre o campo de energia a
fim de que ele o envolva, seja para quem o ameaça por invadir um território
pessoal instransponível. Dessa forma, Jorge Schutze se lança sem redes de
segurança diante do outro. Não importa o papel social de cada um: uma vendedora
de guloseimas, um policial ou um evangélico que distribui panfletos de fé. O
que o bailarino procura é instigar o estranho a ocupar um salão, onde se pode
cochichar ao pé de ouvido, como nos bailes românticos, aqueles que dançavam a
dois e recortávamos o universo num feliz fragmento de vida.
Tirar alguém para dançar é um ato de coragem, de ímpeto, de
saída para um campo relacional que pode ser sedutor ou assustador. Jorge
Schutze estabelece relações em torno de seu partner. Caminha por entre
obstáculos que os distancia, como mesas, balcão de roupas em liquidação e
postes. Dança para quem está parado, para quem anda, para quem o vê da janela
da repartição, para quem passa devagar dirigindo o carro.
Jorge Schutze faz uma performance, sobremodo, de dança. Da
sua dança de vida, cheia de afetos, que emociona quem assiste de longe. Em seu
corpo, expõe o RG de um artista nitidamente afetado pelo o que o circunda. É
emocionante vê-lo, como um menino feliz, a brincar com o corpo, que se quebra,
se desmorona no chão, se desenrola no asfalto. O empenho para que a sua dança
vire a dança a dois, que se estabeleça como um vínculo possível na multidão de
solitários. Ao propor essa dança, Jorge Schutze aponta para o vasto mundo que
habita em si. ”