Não consegui descobrir ou autor do texto
Coletado no grupo Dançanteato no facebook
https://www.facebook.com/groups/435380513220157/?fref=ts,
publicado por Carolina Gabriela Raed https://www.facebook.com/Caro.Y.Abril
o link onde a tese se encontra: http://www.gpef.fe.usp.br/teses/agenda_2011_01.pdf
A DANÇA CONTEMPORÂNEA NO TEMPO
Para falar sobre a diversidade das linguagens presentes na dança
contemporânea é necessário, primeiramente, conhecer um pouco sobre esse artefato e
sua trajetória ao longo da história. Para começar é difícil datar o início da dança
contemporânea e mais ainda descrevê-la de uma única forma. O que podemos considerar
é que essa modalidade aparece na história não apenas para contar um fato de forma
linear, mas, sobretudo para questionar o mundo a sua volta. Também é preciso enfatizar
que as narrativas a seguir, talvez a dominante, não é uma verdade sobre a sua trajetória,
pois outras existiram e existirão. A intenção do exposto é contribuir com os interessados
no tema e ver que qualquer artefato cultural é passível de lutas por significações.
Assim, diferente dos grandes balés de repertório que emocionavam com a
leveza de “Giselle”1 ou com a tristeza da “morte do cisne”2, esse estilo alternativo de
dança vem para emocionar sim, mas, além disso, para olhar para a sociedade e contar
uma história que nem sempre é um conto de fada e que ao contrário disso não se propõe
a sê-lo. Ela vem para fazer uma nova leitura do mundo e proporcionar ao espectador que
este faça o mesmo. Criar novos pontos de vista sobre um mesmo assunto, assunto esse
que pode ser a política de um país, a educação de um povo ou apenas um sentimento
humano representado sob vários aspectos. A contemporaneidade na dança não traz
respostas prontas, contudo ela produz indagações a serem pensadas e repercutidas pelo
espectador e a sociedade. Mais do que diversão e entretenimento, ela vem para olhar o
mundo e conhecê-lo.
1 “Giselle” é um ballet de repertório criado por Théophile de Gautier em 1841 que consagrou o
estilo romântico do Balé Clássico. Nessa história Giselle é uma camponesa apaixonada por um
fidalgo disfarçado de camponês. Ao descobrir a farsa o seu coração se enche de dor e ela chega
à loucura.
2 “morte do cisne” é um trecho do balé romântico de repertório “O lago dos cisnes”, criado em
1895 por Marius Petipa e Ley Ivanov. “O lago dos cisnes” conta a história de mulheres cisnes que
foram encantadas por um feiticeiro. O príncipe se apaixona por uma delas e busca quebrar o
encanto para que ela permaneça sempre na forma humana.
Se formos fazer uma viagem pela história da dança para descobrir a raiz
da dança contemporânea, com certeza não acharemos raiz nenhuma e isso é a grande
riqueza dessa arte, pois acharemos indícios de que certos conceitos foram mudando no
decorrer do tempo e que isso aconteceu conforme as transformações da sociedade, da
política, da educação e da cultura e assim sendo a dança nunca esteve descolada da
realidade, mas, ao contrário esteve sempre em metamorfose conforme a mesma. Para
identificar melhor essas transformações é preciso passar por alguns mestres da dança
que, de alguma forma, produziram novas formas de dançar o mundo. É interessante notar
que muitas pequenas transformações às vezes aconteciam praticamente no mesmo
período em locais diferentes, como se fossem pequenos ruídos para a composição de
uma nova música.
Contribuições do Balé Clássico para a Dança Contemporânea
De acordo com Monteiro (1998), Noverre3 (1727-1810) em suas “Cartas
sobre a dança” (1760-1807), sendo esta uma espécie de doutrina teórica sobre o que ele
pensava sobre a arte de dançar, já trazia a questão da expressão do bailarino e da dança
propriamente dita. Através do seu “balé de ação”, modo como ele denominou o seu
método de criar a dança clássica, ele discutia que a dança não deveria se perder em ser
apenas divertimento e que esta deve ser natural e expressiva, pois somente a execução
dos movimentos sem expressão é um ato possível para qualquer ser vivo, inclusive os
animais e sendo dessa forma qual seria então o propósito da dança, em outras palavras
qual seria sua diferença? Noverre defendeu a mudança dos figurinos, a exclusão das
máscaras, tudo para que a interpretação e expressão facial dos bailarinos pudessem ser
vista e apreciada. É importante perceber, que Noverre discutiu conceitos que são
fundamentais na dança contemporânea e que de uma forma ou de outra permitiram
indícios de uma mudança que viria anos mais tarde: a expressividade e o propósito da
criação artística, para tanto continuou utilizando e aprimorando a técnica da dança
clássica.
3 Jean-Georges Noverre, considerado um reformador da dança por criar um estudo teórico
determinado como “balé de ação”, publicado em 1760 por meio de cartas sobre a dança.
4 Vaslav Nijinsky foi um criador e bailarino russo considerado um revolucionário da dança por
trazer sempre novos signos para o balé clássico provocando discussões sobre a credibilidade de
sua arte. “O deus azul” e “A sagração da primavera” são duas de suas obras que causaram
espanto ao púbico da época.
Bourcier (1987), afirma que Nijinsky4 (1890-1950), em 1912 é censurado
por dançar de forma obscena em “O deus azul”. Sua obscenidade estava nos movimentos
realizados no chão considerados sensuais e sexuais. Ir para o chão dançar, nessa época
era praticamente uma heresia para com a dança, afinal o chão não era um signo da
linguagem dança até então dominada pelo romantismo da época.
O Balé Romântico foi um marco na história da Dança por colocar as
bailarinas em papéis principais em que dramaticidade e virtuosidade dos movimentos
eram características que encantavam o público burguês e cristão da época iluminista. A
dança de Nijinsky propõe novos signos contrários a essa lógica. Porém atualmente, um
dos principais códigos da dança contemporânea é a possibilidade de usar o solo para se
mover, seja através de rolamentos, giros, quedas e recuperações, conceitos esses que
apareceriam mais tarde com a dança moderna. Além do escândalo de “O deus azul”, em
“A sagração da primavera”, houve uma nova polêmica, pois Nijinsky trouxe à cena novos
códigos que nada tinham a ver com a dança que até então era considerada dança. Pela
primeira vez colocou seus bailarinos realizando posições dos pés em an-deduns (pés
paralelos), com figurinos pesados, porém nada pomposos e belos e com um ritmo musical
composto por Stravinsky5 (1882-1971) que era completamente diferente dos balés da
época. Dessa forma, foi considerado não somente um inventor de passos, mas de todo
um corpo, por fazer dançar em ritmos diferentes uma outra linguagem que não
poderíamos classificar como a técnica clássica. Entre alguns estudiosos de dança, há
quem acredite em Nijinsky como o grande precursor da dança contemporânea,
principalmente pela quebra de paradigmas que permaneceram intactos por tanto tempo. A
questão das posições dos pés é um exemplo claro disso, afinal na base técnica da dança
contemporânea, embora ainda não exista uma técnica única e fechada, mas alguns
signos em comum, a posição dos pés mais utilizada é a paralela e não mais os an-dehors
(pés para fora, que deram origem às 5 posições básicas do balé clássico) como na
técnica clássica (ACHCAR, 1998).
5 Igor Fyorovich Stravinsky , compositor russo naturalizado francês e posteriormente norte-
americano. Compôs três ballets para a Cia de Diaghlev: “O pássaro de fogo”, “Petruchka” e “A
sagração da primavera”.
Numa época muito próxima de Nijinsky, temos George Balanchine (1904-
1983), que inicia seus estudos como bailarino aos 9 anos. Se forma em 1921 compondo
diversas obras. Em 1934 nos Estados Unidos abre sua escola e após um período de
mudanças é em 1948 que funda a sua companhia de dança definitiva, a New York City
Center Ballet. Não é possível indicar uma data certa para as inovações que Balanchine
propunha, mas pode-se afirmar que ele revezava entre montagens clássicas e montagens
diversificadas. Ele iniciou a geração da dança abstrata, uma dança sem história, onde o
movimento se articula com a música, é contraponto da mesma. Para ele a dança era a
essência da emoção. Esse bailarino coreógrafo foi trabalhando seu estilo através das
linhas de movimento, utilização do espaço e da velocidade empregadas na realização do
movimento (VERDERI, 2000).
Para a dança contemporânea há uma grande contribuição, a abstração na
dança. Pois a partir desse fato, deixa-se a preocupação com uma história linear, começo,
meio e fim em que todos os espectadores entendem detalhe por detalhe como se
tivessem lendo uma história no livro, para mergulhar na expressividade do gesto cênico,
onde um movimento pode ser tudo e coisa nenhuma ao mesmo tempo, e que não existe
uma única história a ser compreendida, mas, além disso, um sentimento que proporciona
ao público que ele crie a sua própria história. A abstração na dança abre espaço para a
ressignificação e múltiplas leituras. Apesar da diferença em relação aos períodos de
trabalho de Nijinsky e Balanchine ser pouca, Balanchine foi mais bem aceito pela
sociedade no geral. Em muitos livros, ele é considerado o grande contemporâneo da
dança. As inovações de Nijinsky não foram tão bem vistas aos olhos do público, talvez por
serem consideradas mais agressivas e menos sutis. Em grande parte dos livros,
encontramos poucas informações sobre sua obra, principalmente “A Sagração da
primavera”, às vezes só aparece como uma citação breve. Tal fato consolida certos
discursos. Atualmente, grande parte dos bailarinos e coreógrafos vêem em Nijinsky o
início de uma revolução na dança.
Até aqui, falamos dos bailarinos e coreógrafos que de alguma forma
trouxeram mudanças para a dança, mas ainda assim utilizaram a técnica clássica e se
mantinham ligados a ela e alguma forma. É com o surgimento e estabelecimento de uma
nova linguagem da dança, a Dança Moderna, que tudo começa a mudar mais
rapidamente e drasticamente em relação à arte do movimento.
O surgimento da Dança Moderna
Em 1811, nasceu Delsarte, um músico que após fracassar na sua
carreira, vai procurar discutir a relação da alma e corpo levando-a para a dança e dessa
forma, por volta de 1871 descobre os primeiros indícios daquilo que posteriormente
chamamos de dança moderna. Seu movimento, o delsartismo influenciou a dança
moderna americana, de Isadora Duncan e Laban, dançarinos e criadores que
influenciaram diretamente a dança contemporânea através de uma releitura da linguagem
da dança (BOURCIER, 1987).
Isadora Duncan, nascida em 1878, teve o começo da sua carreira artística
em 1896, e desde cedo é contra o sistema clássico do balé e diz querer criar uma dança
de acordo com o seu temperamento. Para ela a dança é a expressão da sua vida pessoal.
Duncan não criou um método fechado de dança ou uma técnica específica que possa ser
encontrada nas atuais escolas de dança, mas desenvolveu uma linguagem com
caracteres específicos. A sua dança se caracterizava por se inspirar numa contemplação
da natureza, onde os movimentos naturais andar, correr e saltar eram utilizados durante
todo o tempo sem um rigor técnico específico. Ela abandonou as sapatilhas e sempre se
apresentava descalça com roupas que lembravam as túnicas gregas. A fluência do
movimento seguia a sua respiração e seus modelos estéticos eram inspirados nos
gregos. A dança de Isadora Duncan decepcionou um pouco o público que era
considerado mais moderno na época, por ser considerada ingênua demais. Duncan teve
mais sucesso na Europa do que nos Estados Unidos, seus trabalhos demoraram alguns
anos para serem reconhecidos pela crítica americana. Ela faleceu em 1927 e sua dança
ficou conhecida como “dança livre”, “dança diferente” e apesar de poucos considerarem
como “dança moderna” a sua influência para o desenvolvimento da mesma é
incontestável (BOURCIER, 1987; ACHCAR, 1998).
Apesar de para alguns Isadora não ter sido uma revolucionária da dança
nem ter deixado uma doutrina precisa sobre sua arte de dançar, não se pode negar que
ela marcou o surgimento de uma dança “diferente”. Uma dança que resulta de um
movimento interno. Expressar os próprios sentimentos na dança é uma característica que
encontramos na dança contemporânea, além das simples habilidades motoras andar,
correr e saltar que aparecem como movimentos expressivos de uma linguagem que fala
do intérprete e do mundo. Duncan proporcionou à dança novos valores culturais e
transitou pelas linhas moleculares e de fuga6 trazendo a desconstrução e reorganização
do artefato cultural analisado. Desse modo ela provoca um deslocamento do poder que
antes estava sob a hierarquia da técnica clássica. Não que esta técnica tenha perdido seu
poder, mas sua capacidade de fixação de significados alterou-se a partir do momento que
surge o diferente.
6 Linhas moleculares e linhas de fuga são termos utilizados pelo filósofo Deleuze. Essas linhas funcionam
como traços imaginários que atravessam as relações sociais. As moleculares demarcam os limiares de
mudança que estão por acontecer e ainda não aconteceram, é como uma rachadura no prato, o prato não
quebrou, mas já não é um prato novo. As linhas de fuga são linhas que mudam tudo de lugar e ao mesmo
tempo pode parecer que nada mudou, como o sentimento que leva a uma revolução. É um cortar, é um
atravessar que reorganiza o que era antes.
Rudolf Von Laban (1879-1958) foi mais um dos grandes estudiosos da
dança. Ele estudou o movimento e criou um método, uma linguagem, uma técnica, uma
dança. Ele criou uma nova forma de utilizar o movimento a favor da expressão e discutiu-
a no mundo em que viveu. Laban foi inovador no sentido de criar um método de anotação
da dança, o Labanotation (1926) e uma técnica de dança que seria levada pra escola, a
dança educativa. Laban foi estudar as possibilidades do movimento e sua mecânica,
aliando a elas qualidades específicas que iriam tornar o movimento expressivo para a
dança, e desse modo o mesmo movimento que eu utilizo quando rasgo uma folha de
papel pode ser usado para expressar raiva ou amor, dependendo da qualidade que a ele
será aplicada (suave, brando, repicado). Assim, o método Laban se estabelece através
dos elementos universais do movimento caracterizados por ele: energia, tempo, espaço e
fluência, e dentro de cada item ele explora as diversas possibilidades. Laban conseguiu
entender a diferença entre o gesto mecânico e o gesto cênico e, para tanto, torna possível
qualquer movimento um signo da dança desde que ele expresse algo. Assim sendo,
surge um dos grandes nomes da dança moderna que contribui significativamente para a
dança contemporânea e para a dança na escola como um artefato curricular (ARRUDA,
1988).
Embora Laban tenha criado um método denominado Dança Educativa
que traz muitos signos diferentes da técnica clássica, a começar pelos gestos cotidianos,
a sua dança ainda não é aquilo que estamos discutindo pela abordagem cultural. A Dança
Educativa apresenta uma certa limitação quanto à sua capacidade de criar significados e
permitir releituras. Isto é, ela ainda segue um determinado padrão, existem conceitos
(fluência, espaço, tempo, energia) que servem como orientação para a construção de
uma dança que está mais preocupada no desenvolvimento corporal das habilidades do
futuro dançarino ou de quem dela participe. Em alguns casos, se fala também em dança
coral, esta é executada pelo grupo e cada integrante pode expressar-se por movimentos
próprios que se unem aos movimentos do grupo. Ela não enfoca as relações de poder
presentes na sociedade que podem ser representadas pelo ato de dançar. Obviamente
deve-se reconhecer o mérito de uma nova proposta de dança para a escola, porém é
preciso verificar que ela ainda se apresenta em um molde muito pouco flexível conforme a
realidade de uma sociedade em rede e por mais que ela permita expressões individuais
de movimento, tal fato não garante as ressignificações que propomos.
Podemos dizer que Laban e Duncan inauguram, cada um no seu país,
Alemanha e Estados Unidos respectivamente, com certo fervor, a história da dança
moderna, que na época teve seu valor discutido e questionado. Afinal de contas até que
ponto correr em cena poderia ser chamado de dança? Dançar sem sapatilhas? Como que
um movimento que qualquer pessoa poderia fazer, além do bailarino, estava sendo
chamado de dança? Todos esses impasses e outros acerca da sociedade culminaram em
grandes mudanças na história da dança. O que podemos desprender dessa análise
histórica é seu caráter transgressor diante das relações de poder presentes no contexto
da dança na época. A ruptura promovida por estes dançarinos mostra-nos que,
independente do tempo-espaço histórico, geográfico, político, a luta por significação é
permanente no jogo do poder cultural.
Ruth Saint-Denis (1878-1968) marca definitivamente o nascimento da
dança moderna a partir da idéia mestra de Isadora Duncan: A dança como expressão da
vida interior. Ruth elaborou uma técnica corporal precisa e metódica, formando através
dela muitos alunos, entre eles Ted Shawn, que posteriormente tornou-se seu parceiro na
criação dessa nova dança. Por volta de 1915, os dois parceiros criam a Denishawn
School, escola de dança que tem como um dos métodos de ensino, aulas de dança
acadêmica com os pés descalços. Pela primeira vez as sapatilhas de pontas são
deixadas de lado e o contato do pé com o solo aparece como um novo signo da dança
que se estabelece como método, como técnica, que mais tarde veremos como um dos
elementos característicos da linguagem da dança contemporânea (BOURCIER, 1978).
Essa escola foi essencial para a formação de novas bailarinas que traziam consigo novos
pensamentos em relação à dança, entre elas podemos citar Doris Humphrey e Martha
Graham.
Doris Humphrey (1895-1958) foi uma das discípulas mais próximas de
Ruth na Denishawn e saiu de lá quando identificou que os objetivos de trabalho cênico já
não eram mais os mesmos. Doris, assim como Graham, tinha uma certa necessidade de
criar uma dança autêntica que estivesse relacionada ao contexto americano da época,
uma dança que dialogasse com a realidade e não apenas contasse uma história
superficialmente. Doris traz para dança moderna signos presentes até hoje na dança
contemporânea como as quedas e suspensões, perda e recuperação de equilíbrio.
Ossona (1988, p.77), sintetiza bem a importância da dança de Doris Humphrey afirmando:
Ela sublinhou na dança a dignidade e nobreza do ser humano, que se vê
em permanente conflito entre seu desejo de progresso e sua necessidade
de estabilidade; entre a paz que oferece o equilíbrio e a atração do perigo
que representa a queda.
Martha Graham (1894-1991) é outro nome bastante considerado na
dança moderna americana que influenciou a dança moderna do mundo. Diferente de
outros intérpretes-criadores, Martha começou a dançar na sua adolescência, o que para
alguns da época era considerado tarde e somente aos 16 anos participou de seu primeiro
espetáculo. Foi na Denishaw School, de 1916 a 1923 que ela teve um contato maior com
a dança tanto como bailarina quanto como assistente de Ted Shaw, e foi justamente
nessa época que começou a incomodar o tipo de dança que fazia. Para ela, a dança
relacionada a temas divinos e rituais de outras culturas não era mais interessante. Ela
queria dançar o mundo, ela queria dançar os problemas atuais de sua época, e é
justamente a partir desse conceito que ela vai estudar para posteriormente desenvolver a
sua técnica de dança moderna, o seu modo de composição coreográfica e a sua
dramaturgia na dança. Graham trabalha com alguns signos semelhantes ao de Humphrey
como as quedas e suspensões. Mas o que definitivamente marca o seu método é a
questão da contração muscular e o seu relaxamento, chamado por ela de release, é no
centro do corpo, da região pélvica que parte todo o movimento (BOURCIER, 1987).
Logicamente que Martha agregou à sua técnica signos da dança clássica,
mas construiu uma linguagem única na dança que prevalece ainda hoje e que também
tem muitos de seus signos utilizados na dança contemporânea. Ela procurou novas
formas de execução de movimentos já existentes na dança clássica, realizando a
ressignificação de um texto. Não é somente a técnica que marcou o nome Martha
Graham na história da dança, mas a sua preocupação com a emoção de um gesto. A
emoção que deve chegar ao público para que esse não entenda uma história, um fato
propriamente dito, mas que sinta a emoção do que aquilo representa. Esse preceito é um
dos que permanecem na dança contemporânea como essencial para que a mesma faça
sentido dentro daquilo que se propõe a sê-lo. Martha criou um modo de preparação do
corpo para a dança contemporânea, um modo orgânico e seguro (HOROSKO, 1989).
A técnica utilizada nos trabalhos cênicos de Martha nunca deixou de ser a
sua dança moderna e mesmo que ela abordasse temas da atualidade, ainda sim é dança
moderna, é a linguagem única de Graham. Uma linguagem que preza pela expressividade
da dança e para tal dedicou sua carreira toda. A técnica Graham foi passada aos seus
alunos e até hoje faz parte da grade de aulas de muitas escolas de dança, inclusive no
Brasil. Não há como não falar da influência dessa criadora em outros artistas da dança,
como, por exemplo, Merce Cunningham (1919-2009), que foi aluno de sua técnica e
bailarino de sua cia. por muito tempo, e que após alguns anos de estudo e de experiência
na dança segue seu caminho sozinho. Um caminho que resulta em uma nova técnica,
uma nova linguagem e um novo modo de olhar para a dança (BOURCIER, 1987).
Novamente o que vemos é o espaço da ressignificação contaminando o mundo da dança.
Dançar é um constante recriar.
Esse criador, juntamente com Pina Bausch (1940-2009), podem ser
considerados os grandes nomes da dança contemporânea, não somente pelo fato de
estarem coreografando até hoje, mas acima de tudo por terem realizado a transição da
dança moderna para a contemporânea. Ao assistir os trabalhos artísticos de ambos, vê-se
nos corpos dos bailarinos traços da dança clássica, expressão da dança moderna, gestos
teatrais, mas, sobretudo observa-se um novo texto de movimentos. É uma nova forma de
dançar, que pode falar do mundo, do homem, do animal, ou de nada, simplesmente falar.
O que importa já não é o texto que eu quero que você leia, mas o que cada espectador
pode ler, a partir do seu constante diálogo com outros textos culturais do mundo. O que
se vê não é uma técnica com movimentos determinados e específicos, e sim uma
construção de linguagem que varia de coreógrafo para coreógrafo. E por mais que
tenham signos e códigos da dança em comum, a linguagem e o estilo de cada criador é
singular, porque depende diretamente da sua experiência com o mundo e da relação com
o seu grupo.
A multiplicidade de leituras que uma mesma obra pode proporcionar já
era vista em 1913 com Marcel Duchamp7, em sua obra “Roda de Bicicleta”, e é a nova lei
que rege a dança contemporânea. Portanto não importa a técnica em si, mas o que pode
resultar dela, e como o gesto cênico pode emocionar, podem levantar uma questão e
pode não falar coisa nenhuma (GLUSBERG, 2003).
7 Marcel Duchamp foi considerado um dos fundadores da arte contemporânea por meio da
pintura e das artes Plástica. O ready made “Roda de Bicicleta” é a elevação de um objeto do
cotidiano ao status de arte produzindo nova função e valor para a obra artística.
Os primeiros nomes que marcaram a Dança Contemporânea
Segundo Amorim e Queiroz (2001), Cunningham inovou em sua dança
por construir uma nova forma de se movimentar e de não ter medo de ousar em suas
experimentações. Dessa forma construiu uma técnica com alguns signos do balé clássico
(movimentos de braços, pernas e saltos), da dança moderna (torções, rotação de tronco,
contrações) e muito da sua criatividade que contou com novas formas de deslocar pelo
espaço. Ou seja, suas danças eram criadas de maneira a serem dançados em quaisquer
espaços físicos, teatros, ginásios esportivos, praças, etc. O modo de organização das
seqüências coreográficas também era bem peculiar, sendo muitas vezes decididas por
algum tipo de sorteio. E assim o acaso também se tornou um aliado do seu trabalho, além
das suas inovações tecnológicas na dança, através da iluminação cênica, vídeos e até
software. Para muitos, este criador foi o primeiro a unir a dança e a tecnologia
descobrindo uma nova forma de fazer arte, um novo modo de escrever o mundo. Um
vanguardista da dança.
Enquanto Merce Cunningham marcou a dança americana, Pina Bausch,
marcou a dança alemã com sua dança teatro. O termo dança teatro já era utilizado por
Laban, através de pequenas improvisações que envolviam voz, poemas e gestos teatrais.
Pina foi aluna de Kurt Jooss (1901-1979), criador este que associou a dança ao teatro
para emocionar e fazer uma obra de arte crítica. Fazer uma dança que olhasse para o
mundo e para o que nele ocorria. Não existe uma técnica corporal específica utilizada na
dança-teatro, qualquer movimento seja do balé clássico, da dança moderna, da mímica
teatral ou até mesmo um gesto cotidiano, pode fazer parte da cena. O que muda nessa
linguagem é o modo de criação das seqüências que conta com o potencial criador de
cada bailarino e com o motivo que faz cada um criar, isto é existe um ponto de partida que
pode ser considerado um tema que norteará a criação. A dança-teatro não tem regra
definida. Ela vem para ser dinâmica, cotidiana e abstrata ao mesmo tempo. A linguagem
simbólica desse modo de dançar é constante para dançarinos e espectadores que, a cada
gesto cênico podem sentir, ler e ressignificar de formas diferentes o texto cultural
proposto. E nesse quesito encontra-se a contemporaneidade dessa dança que até hoje
faz seus espectadores se surpreenderem com a capacidade de múltiplas leituras de um
simples gesto diário colocado na cena (FERNANDES, 2000).
Chegando ao fim do nosso percurso histórico é relevante lembrar que
talvez tenha ficado de fora alguns bailarinos, coreógrafos e músicos que possam ter
contribuído para o surgimento da dança contemporânea, pois as mudanças muitas vezes
aconteciam ao mesmo tempo e em diversas partes do mundo e os registros e
documentação nem sempre foram possíveis. Sendo assim é preciso nomear certas
características da dança contemporânea para que não fique a idéia de que qualquer tipo
de movimentação e manifestação pode ser associado a ela. A técnica contemporânea
não é fechada, porém existem signos em comum vindos desde a dança moderna, são
eles: os rolamentos (de todos os tipos), as quedas e recuperações, torções, gestos
teatrais e do cotidiano, movimentações pelo solo (deslizes), movimentos de força (flexões
e sustentações do corpo), contrações e expansões, saltos com apoios, textos falados,
elementos cênicos diversos. Independente da linguagem do grupo, alguns desses
elementos são sempre identificados, o que vai caracterizar o estilo de cada companhia de
dança é a qualidade impressa nos movimentos, a forma de construção coreográfica e as
discussões que cada um provoca. A pesquisa por um modo peculiar de construir o
artefato em questão cria a identidade do grupo e as suas possíveis transposições com o
mundo que os fala. Assim, podemos olhar para grandes grupos de Dança
Contemporânea do Brasil como o Quasar (GO), Corpo (MG), Cena 11 (SC), Cisne Negro
(SP), Cia Débora Colker (RJ), entre outros, e reconhecer movimentos em comum, porém
todos os trabalhos se apresentarão de forma completamente distinta. Podemos perceber
essas sutilezas ao assistir às quedas com os corpos chapados no solo utilizadas pela
Cena 11 e às quedas leves, em espirais, sem ruídos realizadas pelo Quasar. Ambos
incluem o signo queda em suas produções, mas o modo de execução é diferenciado,
permitindo diversas leituras, discussões e ressignificações. Essa possibilidade da dança
contemporânea é o que a torna importante como temática curricular.
Na composição de um espetáculo de dança contemporânea, cada coisa é
pensada de acordo com toda uma linguagem. Assim cenário, figurino, iluminação, música,
espaço, enfim todos os elementos fazem parte de um contexto, que muitos denominam,
resumidamente, como dramaturgia da dança. Isso significa que um tipo de iluminação não
acontece somente por ser mais bela, ela aparece porque dialoga com a coreografia e com
a mensagem do trabalho, faz parte do todo. O mesmo vale para os outros elementos.
Algumas companhias fazem desses elementos verdadeiros ícones de sua linguagem.
Exemplos disso são os cenários de Deborah Colker que não servem apenas para ilustrar
um espaço, eles são elementos da dança; as malhas utilizadas como figurino pelo Grupo
Corpo se tornaram marcas de sua linguagem cênica assim como a tecnologia inusitada
da Cia Cena 11 e a ironia humorística do grupo Quasar. À primeira vista é difícil perceber
tais detalhes, mas após assistir a diferentes espetáculos do mesmo grupo, é possível
perceber os signos que se repetem e compõem a linguagem particular de cada um.
Olhar a trajetória da dança pelos acontecimentos do mundo é perceber
que ela sempre está de acordo com um contexto histórico e social e não há como
descolar a arte da realidade como uma forma de representação e ressignificação do
mesmo. Nossa trajetória histórica iniciou com Noverre por volta de 1760 até os dias
atuais. Esse período foi marcado por importantes fatos históricos no campo da política,
economia, das artes: I Guerra Mundial (1914-1918), Queda da bolsa de Nova York (1929),
Fascismo (1922-1945), Nazismo (1933-1945), II Guerra Mundial (1939-1945), Guerra Fria
(1945-1950), Guerra do Vietnã (1962-1975), Semana de arte Moderna (1922), Ditadura
Militar (1964-1985), dadaísmo, futurismo, bauhaus, entre vários outros. Com certeza tais
fatos influenciaram artistas e suas obras, por fazer parte de seu contexto histórico, para
maior acesso a essas relações é preciso um aprofundamento na vida e obra de cada
artista. Assim como as atuais companhias trazem seus trabalhos contemporâneos em um
constante diálogo com o mundo ao redor. Olhar a dança nos seus mais distintos grupos e
ver o quanto que ela fala deste grupo. É fundamental entender a dança como forma de
conhecimento e não unicamente como um entretenimento que se presta somente ao
divertir e não à formação de conhecimento. Que pode através de sua técnica não definida
e da sua linguagem não específica passar por qualquer mundo, por qualquer cultura e
ainda sim falar sobre eles de um modo plural e único ao mesmo tempo. Conhecer melhor
essa dança é compreender as rupturas que ela propôs para se validar como uma área de
conhecimento e as transformações dos valores culturais do artefato Dança. A luta
constante pela fixação de significados e possibilidade de representar o mundo permitindo
ao sujeito múltiplas interpretações do texto cultural.
Um breve histórico da dança contemporânea no Brasil
A dança contemporânea no Brasil, assim como sua história no mundo,
não tem uma data e uma forma única de surgimento e estabelecimento. Ela é fruto de
transformações e influências. Foi a partir da II Guerra Mundial (1939-1945) que muitos
artistas de outras partes do mundo chegaram ao país na tentativa de escapar dos
conflitos. Esses artistas trouxeram consigo novas idéias e experiências estéticas que
influenciaram a dança brasileira, entre eles podem destacar: Maria Duschenes, Renné
Gumiel, Nina Verchinina, Marika Gidali, entre outros. A maioria desses artistas ficou
instalada no eixo Rio-São Paulo não somente como bailarinos clássicos em companhias
de dança como também propuseram novas formas de dançar.
Maria Duschenes (nascida em 1922) veio para o Brasil em 1940 e trouxe
consigo os princípios da dança moderna de Laban, focando o seu trabalho na dança
educativa e na dança coral. Sua carreira se estabeleceu mais como professora do que
bailarina. A dança educativa para ela permite o esforço do corpo para se movimentar, a
descoberta do espaço, da comunicação e da relação com o meio e as outras pessoas. A
dança é a expressão individual de sentimentos e a comunicação de idéias, de
pensamentos. Com este trabalho se tornou responsável pela coordenação do Projeto
Dança/Arte do movimento realizado em bibliotecas da prefeitura de São Paulo com
parceria da Secretaria Municipal de Cultura (1984-1994). A partir de 1999, Duschenes, foi
progressivamente interrompendo sua carreira devido a problemas de saúde. Com o seu
trabalho formou diversos professores que ainda hoje trabalham com a dança educativa do
método Laban.
Renné Gumiel (1913-2006) pode ser considerado um dos nomes mais
antigos e conhecidos no cenário da dança brasileira. Renné foi uma francesa que chegou
ao Brasil pela primeira vez nos anos 50. Entre suas idas e vindas pelo mundo fez aula
com Kurt Joss e Rudolf Laban, conheceu Charles Chaplin, Pablo Picasso entre outros.
Em 1957 foi convidada por um embaixador a criar a dança moderna no Brasil, desde
então se fixou no país e em 1961 fundou sua escola e iniciou todo um percurso. Foi a
fundadora da Cia de Dança Contemporânea Brasileira e participou de movimentos no
Teatro de Dança Galpão, Teatro Brasileiro de Comédia, no Ballet Stagium e Balé da
Cidade de São Paulo. Bailarina e atriz, Gumiel sempre trabalhou com a interface das duas
linguagens cênicas. Considerada a bailarina mais velha em atividade, aos 92 anos
prestes a completar 93, ela ainda dava aulas de dança no Teatro Escola Célia Helena e
participava do espetáculo “Os sertões” do Teatro Oficina sob direção José Celso Martinez
Corrêa. Seus primeiros trabalhos em 1957 não foram muito aceitos pelo público, mas ela
persistiu em sua contemporaneidade derrubando alguns preconceitos e se tornando um
nome fundamental para a história da dança contemporânea brasileira.
Nina Verchinina (1910-1995) chegou ao país em 1954 a convite de Caribé
da Rocha para coreografar o espetáculo “Fantasia e Fantasias” e apesar de também ser
reconhecida como uma das principais figuras da dança moderna brasileira, seu nome não
ganhou tanto destaque quanto ao de Renné Gumiel. Ela foi uma bailarina com
experiência em diversas companhias do mundo, dançando com renomados coreógrafos
como George Balanchine. Também foi uma pesquisadora do movimento onde teve
contato com as técnicas de Laban, Duncan e Graham. Na sua primeira vinda ao Brasil em
1946, na Escola de Dança do Teatro Municipal do Rio de Janeiro tentou implementar a
técnica da dança moderna com o trabalho no chão, a flexibilização do tronco e os pés
descalços. Não foi bem aceita, foi considerada transgressora e para alguns até imoral, o
que a fez retornar à Europa. Foi somente na segunda vez que chegou no Rio de Janeiro
que percebeu que o público estava mais aberto às tendências modernas, desde então se
estabeleceu fundando sua escola de dança, ao qual trabalhou até o seu falecimento. Na
sua escola criou sua metodologia de dança moderna denominada por ela mesmo de
“dança moderna expressionista”. Para Nina a dança tinha que falar da realidade, do
contexto e isso aparecia em seus trabalhos, considerados inquietantes para a crítica.
Nunca se deixou levar por modismos e frivolidades e ao final da sua carreira, pouco
apresentava seus trabalhos para a crítica. A importância de seu trabalho veio com a
formação de muitos professores, bailarinos e coreógrafos do Rio de Janeiro que viriam
nas décadas de 80 realmente estabelecer a dança contemporânea.
Marika Gidali (nascida em 1937) iniciou seus estudos em dança na cidade
de São Paulo como bailarina clássica, fazendo parte da Cia IV Centenário em 1954. No
início de sua carreira dançou em diversas companhias, em musicais e chegou a
coreografar para a TV. Mas foi nos anos 70, durante o período ditatorial que ela começou
a experimentar uma nova leitura do gesto, procurando trazer traços da cultura brasileira
para falar da problemátca social do país e de alguma forma burlar a censura, comum na
época.
A Ditadura Militar se caracterizou por um período de censura, repressões
e violência. A expressão nas artes ficou altamente limitada e artistas que tentavam dar
voz aos acontecimentos políticos, econômicos e sociais eram punidos severamente.
Durante esse período foram criados Atos Institucionais que determinavam leis da noite
para o dia, dependia apenas do interesse dos militares que estavam no poder. O Ato
Institucional número 5 (AI-5) foi considerado como o mais repressor de todos e nesse
momento histórico, os chamados subversivos eram torturados no caso de serem presos
por alguma infração, exilados e desaparecidos. Grande estado de terror se estabeleceu
em todo país. Foi em 1968 que o mundo parecia explodir, e em nosso país as
manifestações contra o regime se mostraram mais ferrenhas e a repressão militar a essas
manifestações também (NOSSO SÉCULO, 1986). Além disso, a censura midiática
impedia que a maioria da população tivesse acesso ao que por aqui ocorria. Na maioria
das vezes a mídia encontrava formas de omitir àqueles que queriam falar sobre o que
acontecia dando voz àqueles que não iam contra ao governo. Exemplo disso está nos
movimentos da música brasileira representados pela Jovem Guarda versus Tropicália.
Enquanto a Jovem Guarda, liderada por Roberto Carlos e Erasmo Carlos, cantava
músicas de amor, a Tropicália representada por Caetano e Gil, entre outros tentava cantar
a realidade do país.
Diante dessa realidade, em que a proibição e o medo de uma revolução
socialista tomou conta do país, a dança contemporânea foi encontrando seu espaço
através do Ballet Stagium, companhia de dança de São Paulo sob direção de Décio Otero
e Marika Gidali. Se o cinema e o teatro encontravam dificuldades para expressar as
opiniões sobre o que estava acontecendo no país, assim como a música, que utilizava
metáforas para bradar sua indignação política, a dança através da sua linguagem
múltipla, passível de variadas interpretações, encontrou terreno fértil para desviar a lei da
censura. Foi a partir da Ditadura que outras companhias de dança foram se organizando,
principalmente, no Rio de Janeiro e em São Paulo, abrindo espaço para uma outra
linguagem da dança, além do até então consolidado balé clássico. Quando os
coreógrafos perceberam que a interpretação do gesto era muito mais complexa do que a
palavra, a criação em dança se tornou uma forma de expressar o sentimento de revolta
que assolava parcela da sociedade. Aos poucos, o teatro foi se encontrando com a dança
e muitos musicais foram montados em parcerias com coreógrafos contemporâneos da
época na tentativa de burlar o taxativo AI-5, mas, em muitos casos era irremediável a
censura. Sendo assim, é inegável que o Regime Militar tenha contribuído, mesmo sem o
propósito, para o desenvolvimento da Dança Contemporânea no Brasil (REIS, 2005).
Marika Gidali consagrou a dança contemporânea por meio da Cia Ballet
Stagium que entre tantas inovações foi a primeira a utilizar MPB na trilha sonora e criar
espetáculos que possam ser dançados em qualquer espaço físico. Com tanto
reconhecimento em 1999 se tornou coordenadora dos projetos de dança na Febem,
trabalhando junto com os professores de dança de rua criando o que eles chamam de
“aula-espetáculo”. O Ballet Stagium já se apresentou diversas vezes na Febem e Marika
junto com Décio já foram convidados a conhecer o sistema carcerário de outros países
para auxiliar no desenvolvimento do Projeto.
Ruth Rachou (nascida em 1927) é uma brasileira, natural de São Paulo
que desde cedo também teve muita importância para a história da dança moderna no
Brasil. Dançou com Gidali na Cia IV Centenário em 1954 e em suas viagens ao exterior
teve contato com a técnica de Martha Graham, José Limon e Merce Cunningham. A
carreira de Ruth é marcada por experiências diversas o que resultou na abertura de sua
escola em 1972 que funciona ainda hoje, criação do seu grupo de dança Ruth Rachou em
1992 e desde 1989 é professora de dança moderna na Escola de Bailados da Prefeitura
de São Paulo. A sua escola é uma das poucas com aulas de técnica Graham com
professores formados na escola da própria nos Estados Unidos.
Todas essas personalidades fizeram parte do surgimento da dança
contemporânea no Brasil, influenciando muitos professores, coreógrafos e bailarinos que
desenvolvem seus trabalhos atualmente. Como dito anteriormente a dança
contemporânea não se apresenta como uma metodologia única, e isso amplifica a sua
diversidade e o seu diálogo com outros artefatos culturais. Atualmente existem novas
possibilidades para os estudos na dança na área de improvisação, contato-improvisação,
criador-intérprete, performance, dança-teatro, dança-multimídia. Os campos de pesquisa
em dança tem se apresentado de forma muito diversificada e em alguns casos é difícil
classificar o trabalho como dança, performance ou teatro, muitos limites estão sendo
atravessados.
Principais companhias de dança contemporânea brasileira
.
Ballet Stagium (SP): Direção de Marika Gidali e Décio Otero, fundada em 1971.
Principais espetáculos: “Diadorim”, “Navalha na carne”, “Missa dos Quilombos”,
“Anjos da praça”.
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Grupo Corpo (MG): Direção de Paulo Perdeneiras e coreografia de Rodrigo
Perdeneiras, fundado em 1975 na cidade de Belo Horizonte. Principais
espetáculos: “Maria, Maria”, “Missa do orfanato”, “Lecuona”, “Onqotô”, “Breu”,
“Imã”.
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Grupo Quasar (GO): Direção de Vera Bicalho e coreografia de Henrique
Rodovalho, fundado em 1988 na cidade de Goiânia. Principais espetáculos:
“Vérsus”, “Coreografia para ouvir”, “Empresta-me teus olhos”, “Só tinha de ser com
você”, “Por instantes de felicidade”, “Céu na boca”, “Tão próximo”.
.
Companhia de Dança Deborah Colker (RJ): Direção de Deborah Colker, fundada
em 1994. Principais espetáculos: “Rota”, “Casa”, “4 por 4”, “Nó”, “Dínamo”, “Cruel”.
Em 2009 Deborah foi a primeira mulher e brasileira convidada a dirigir um
espetáculo do Cirque Du Soleil, “Ovo”.
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Grupo Cena 11 (SC): Direção de Alejandro Ahmed, fundado em 1994. Principais
espetáculos: “Respostas sobre dor”, “Skinnerbox”, “Pequenas frestas de ficção
sobre realidade insistente”. Seus trabalhos são propostas em desenvolvimento e
dialogam com os campos da performance, intervenções urbanas e afins.
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Cisne Negro Cia de dança (SP): Direção de Hulda Bittencourt, fundada em 1977.
Principais espetáculos: “Abacadá”, “Atmosferas”, “Vem dançar”
.
Balé da Cidade de São Paulo: Direção de Lara Pinheiro (desde 2009) foi fundada
em 1968 apenas como Cia clássica e somente em 1974 que se tornou Cia de
dança contemporânea. Principais espetáculos: “Giselle”, “Crônicas do tempo”,
“Terra Papagallis”
.
São Paulo Cia de Dança: Direção de Iracity Cardoso e Inês Bógea, fundada em
2008 pela Secretaria de Estado da Cultura do Governo do Estado de São Paulo.
Principais espetáculos: “Serenade”, “Gnawa”, “Entreato”, “Passanoite”, “Os duplos”.
.
Cia Nova dança 4 (SP): Direção de Cristiane Paoli Quito, fundada em 1996 como
grupo de pesquisa e performance. Principais espetáculos: “Tráfego”, “O beijo”,
“Influências”, “Acordei pensando em bombas”, “Palavra, a poética do movimento”.
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Cia Oito Nova Dança (SP): Direção de Lu Favoretto, fundada em 2000.Principais
espetáculos: “Folhas secas, flores prateadas”, “Tu-tall”, “Modos de ver”, “Trio de
dois três de quatro”, “Devoração”.
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Cia Sociedade Masculina (SP): Direção de Anselmo Zolla, fundada em 2005.
Desperta interesse por somente conter homens em seu elenco, oito no total.
Principais espetáculos: “Shiva Quevarim”, “Samba”, “Memórias”.
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Companhia de Danças de Diadema (SP): Criada em 1995 por Ivonice Satie e sob
direção de Ana Botosso desde 2003. “Pierrot de veias”, “Linha de montagem”,
“Rap.xote”, “Balaio de danças”, “No prego”, “Meio em jogo”.
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Cia Domínio Público (SP): Direção de Holly Cavrell, criada em 1995 dentro do
departamento de Artes Corporais da Unicamp. Principais espetáculos: “Efêmer@”,
“Babel”, “Tatilidade”.
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Companhia de Ballet da Cidade de Niterói (RJ): Fundada em 1992, direção de
Roberto Lima. Principais espetáculos: “Choros e valsas”, “Desatino”.
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Ballet Teatro Guaíra (PR): Foi criado em 1969. A princípio apresentava somente
trabalhos clássicos e aos poucos foi incluindo os trabalhos na linha
contemporânea. Atual direção de Carla Reinecke. Principais espetáculos: “O
grande circo místico”, “Pequeno mundo”, “O segundo sopro”, “Trânsito”.
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Raça Cia de dança (SP): Criada por Roseli Rodrigues em 1990. Atualmente sob
direção de Edy Wilson. Principais trabalhos: “Cartas brasileiras”, “Tango sob dois
olhares”, “Caminhos da seda”, “3.2”, “Novos Ventos”.
REFERÊNCIAS
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Paulo: Martins Fontes, 1987.
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Pina Bausch e o Wuppertal dança-teatro: Repetição e transformação. 2. ed. São
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Coletado no grupo Dançanteato no facebook
https://www.facebook.com/groups/435380513220157/?fref=ts,
publicado por Carolina Gabriela Raed https://www.facebook.com/Caro.Y.Abril
o link onde a tese se encontra: http://www.gpef.fe.usp.br/teses/agenda_2011_01.pdf
A DANÇA CONTEMPORÂNEA NO TEMPO
Aline Gama DANÇANTEATO Paraty. Foto AndreAzevedo |
contemporânea é necessário, primeiramente, conhecer um pouco sobre esse artefato e
sua trajetória ao longo da história. Para começar é difícil datar o início da dança
contemporânea e mais ainda descrevê-la de uma única forma. O que podemos considerar
é que essa modalidade aparece na história não apenas para contar um fato de forma
linear, mas, sobretudo para questionar o mundo a sua volta. Também é preciso enfatizar
que as narrativas a seguir, talvez a dominante, não é uma verdade sobre a sua trajetória,
pois outras existiram e existirão. A intenção do exposto é contribuir com os interessados
no tema e ver que qualquer artefato cultural é passível de lutas por significações.
Assim, diferente dos grandes balés de repertório que emocionavam com a
leveza de “Giselle”1 ou com a tristeza da “morte do cisne”2, esse estilo alternativo de
dança vem para emocionar sim, mas, além disso, para olhar para a sociedade e contar
uma história que nem sempre é um conto de fada e que ao contrário disso não se propõe
a sê-lo. Ela vem para fazer uma nova leitura do mundo e proporcionar ao espectador que
este faça o mesmo. Criar novos pontos de vista sobre um mesmo assunto, assunto esse
que pode ser a política de um país, a educação de um povo ou apenas um sentimento
humano representado sob vários aspectos. A contemporaneidade na dança não traz
respostas prontas, contudo ela produz indagações a serem pensadas e repercutidas pelo
espectador e a sociedade. Mais do que diversão e entretenimento, ela vem para olhar o
mundo e conhecê-lo.
1 “Giselle” é um ballet de repertório criado por Théophile de Gautier em 1841 que consagrou o
estilo romântico do Balé Clássico. Nessa história Giselle é uma camponesa apaixonada por um
fidalgo disfarçado de camponês. Ao descobrir a farsa o seu coração se enche de dor e ela chega
à loucura.
2 “morte do cisne” é um trecho do balé romântico de repertório “O lago dos cisnes”, criado em
1895 por Marius Petipa e Ley Ivanov. “O lago dos cisnes” conta a história de mulheres cisnes que
foram encantadas por um feiticeiro. O príncipe se apaixona por uma delas e busca quebrar o
encanto para que ela permaneça sempre na forma humana.
Se formos fazer uma viagem pela história da dança para descobrir a raiz
da dança contemporânea, com certeza não acharemos raiz nenhuma e isso é a grande
riqueza dessa arte, pois acharemos indícios de que certos conceitos foram mudando no
decorrer do tempo e que isso aconteceu conforme as transformações da sociedade, da
política, da educação e da cultura e assim sendo a dança nunca esteve descolada da
realidade, mas, ao contrário esteve sempre em metamorfose conforme a mesma. Para
identificar melhor essas transformações é preciso passar por alguns mestres da dança
que, de alguma forma, produziram novas formas de dançar o mundo. É interessante notar
que muitas pequenas transformações às vezes aconteciam praticamente no mesmo
período em locais diferentes, como se fossem pequenos ruídos para a composição de
uma nova música.
Contribuições do Balé Clássico para a Dança Contemporânea
De acordo com Monteiro (1998), Noverre3 (1727-1810) em suas “Cartas
sobre a dança” (1760-1807), sendo esta uma espécie de doutrina teórica sobre o que ele
pensava sobre a arte de dançar, já trazia a questão da expressão do bailarino e da dança
propriamente dita. Através do seu “balé de ação”, modo como ele denominou o seu
método de criar a dança clássica, ele discutia que a dança não deveria se perder em ser
apenas divertimento e que esta deve ser natural e expressiva, pois somente a execução
dos movimentos sem expressão é um ato possível para qualquer ser vivo, inclusive os
animais e sendo dessa forma qual seria então o propósito da dança, em outras palavras
qual seria sua diferença? Noverre defendeu a mudança dos figurinos, a exclusão das
máscaras, tudo para que a interpretação e expressão facial dos bailarinos pudessem ser
vista e apreciada. É importante perceber, que Noverre discutiu conceitos que são
fundamentais na dança contemporânea e que de uma forma ou de outra permitiram
indícios de uma mudança que viria anos mais tarde: a expressividade e o propósito da
criação artística, para tanto continuou utilizando e aprimorando a técnica da dança
clássica.
3 Jean-Georges Noverre, considerado um reformador da dança por criar um estudo teórico
determinado como “balé de ação”, publicado em 1760 por meio de cartas sobre a dança.
4 Vaslav Nijinsky foi um criador e bailarino russo considerado um revolucionário da dança por
trazer sempre novos signos para o balé clássico provocando discussões sobre a credibilidade de
sua arte. “O deus azul” e “A sagração da primavera” são duas de suas obras que causaram
espanto ao púbico da época.
Bourcier (1987), afirma que Nijinsky4 (1890-1950), em 1912 é censurado
por dançar de forma obscena em “O deus azul”. Sua obscenidade estava nos movimentos
realizados no chão considerados sensuais e sexuais. Ir para o chão dançar, nessa época
era praticamente uma heresia para com a dança, afinal o chão não era um signo da
linguagem dança até então dominada pelo romantismo da época.
O Balé Romântico foi um marco na história da Dança por colocar as
bailarinas em papéis principais em que dramaticidade e virtuosidade dos movimentos
eram características que encantavam o público burguês e cristão da época iluminista. A
dança de Nijinsky propõe novos signos contrários a essa lógica. Porém atualmente, um
dos principais códigos da dança contemporânea é a possibilidade de usar o solo para se
mover, seja através de rolamentos, giros, quedas e recuperações, conceitos esses que
apareceriam mais tarde com a dança moderna. Além do escândalo de “O deus azul”, em
“A sagração da primavera”, houve uma nova polêmica, pois Nijinsky trouxe à cena novos
códigos que nada tinham a ver com a dança que até então era considerada dança. Pela
primeira vez colocou seus bailarinos realizando posições dos pés em an-deduns (pés
paralelos), com figurinos pesados, porém nada pomposos e belos e com um ritmo musical
composto por Stravinsky5 (1882-1971) que era completamente diferente dos balés da
época. Dessa forma, foi considerado não somente um inventor de passos, mas de todo
um corpo, por fazer dançar em ritmos diferentes uma outra linguagem que não
poderíamos classificar como a técnica clássica. Entre alguns estudiosos de dança, há
quem acredite em Nijinsky como o grande precursor da dança contemporânea,
principalmente pela quebra de paradigmas que permaneceram intactos por tanto tempo. A
questão das posições dos pés é um exemplo claro disso, afinal na base técnica da dança
contemporânea, embora ainda não exista uma técnica única e fechada, mas alguns
signos em comum, a posição dos pés mais utilizada é a paralela e não mais os an-dehors
(pés para fora, que deram origem às 5 posições básicas do balé clássico) como na
técnica clássica (ACHCAR, 1998).
5 Igor Fyorovich Stravinsky , compositor russo naturalizado francês e posteriormente norte-
americano. Compôs três ballets para a Cia de Diaghlev: “O pássaro de fogo”, “Petruchka” e “A
sagração da primavera”.
Numa época muito próxima de Nijinsky, temos George Balanchine (1904-
1983), que inicia seus estudos como bailarino aos 9 anos. Se forma em 1921 compondo
diversas obras. Em 1934 nos Estados Unidos abre sua escola e após um período de
mudanças é em 1948 que funda a sua companhia de dança definitiva, a New York City
Center Ballet. Não é possível indicar uma data certa para as inovações que Balanchine
propunha, mas pode-se afirmar que ele revezava entre montagens clássicas e montagens
diversificadas. Ele iniciou a geração da dança abstrata, uma dança sem história, onde o
movimento se articula com a música, é contraponto da mesma. Para ele a dança era a
essência da emoção. Esse bailarino coreógrafo foi trabalhando seu estilo através das
linhas de movimento, utilização do espaço e da velocidade empregadas na realização do
movimento (VERDERI, 2000).
Para a dança contemporânea há uma grande contribuição, a abstração na
dança. Pois a partir desse fato, deixa-se a preocupação com uma história linear, começo,
meio e fim em que todos os espectadores entendem detalhe por detalhe como se
tivessem lendo uma história no livro, para mergulhar na expressividade do gesto cênico,
onde um movimento pode ser tudo e coisa nenhuma ao mesmo tempo, e que não existe
uma única história a ser compreendida, mas, além disso, um sentimento que proporciona
ao público que ele crie a sua própria história. A abstração na dança abre espaço para a
ressignificação e múltiplas leituras. Apesar da diferença em relação aos períodos de
trabalho de Nijinsky e Balanchine ser pouca, Balanchine foi mais bem aceito pela
sociedade no geral. Em muitos livros, ele é considerado o grande contemporâneo da
dança. As inovações de Nijinsky não foram tão bem vistas aos olhos do público, talvez por
serem consideradas mais agressivas e menos sutis. Em grande parte dos livros,
encontramos poucas informações sobre sua obra, principalmente “A Sagração da
primavera”, às vezes só aparece como uma citação breve. Tal fato consolida certos
discursos. Atualmente, grande parte dos bailarinos e coreógrafos vêem em Nijinsky o
início de uma revolução na dança.
Até aqui, falamos dos bailarinos e coreógrafos que de alguma forma
trouxeram mudanças para a dança, mas ainda assim utilizaram a técnica clássica e se
mantinham ligados a ela e alguma forma. É com o surgimento e estabelecimento de uma
nova linguagem da dança, a Dança Moderna, que tudo começa a mudar mais
rapidamente e drasticamente em relação à arte do movimento.
O surgimento da Dança Moderna
Em 1811, nasceu Delsarte, um músico que após fracassar na sua
carreira, vai procurar discutir a relação da alma e corpo levando-a para a dança e dessa
forma, por volta de 1871 descobre os primeiros indícios daquilo que posteriormente
chamamos de dança moderna. Seu movimento, o delsartismo influenciou a dança
moderna americana, de Isadora Duncan e Laban, dançarinos e criadores que
influenciaram diretamente a dança contemporânea através de uma releitura da linguagem
da dança (BOURCIER, 1987).
Isadora Duncan, nascida em 1878, teve o começo da sua carreira artística
em 1896, e desde cedo é contra o sistema clássico do balé e diz querer criar uma dança
de acordo com o seu temperamento. Para ela a dança é a expressão da sua vida pessoal.
Duncan não criou um método fechado de dança ou uma técnica específica que possa ser
encontrada nas atuais escolas de dança, mas desenvolveu uma linguagem com
caracteres específicos. A sua dança se caracterizava por se inspirar numa contemplação
da natureza, onde os movimentos naturais andar, correr e saltar eram utilizados durante
todo o tempo sem um rigor técnico específico. Ela abandonou as sapatilhas e sempre se
apresentava descalça com roupas que lembravam as túnicas gregas. A fluência do
movimento seguia a sua respiração e seus modelos estéticos eram inspirados nos
gregos. A dança de Isadora Duncan decepcionou um pouco o público que era
considerado mais moderno na época, por ser considerada ingênua demais. Duncan teve
mais sucesso na Europa do que nos Estados Unidos, seus trabalhos demoraram alguns
anos para serem reconhecidos pela crítica americana. Ela faleceu em 1927 e sua dança
ficou conhecida como “dança livre”, “dança diferente” e apesar de poucos considerarem
como “dança moderna” a sua influência para o desenvolvimento da mesma é
incontestável (BOURCIER, 1987; ACHCAR, 1998).
Apesar de para alguns Isadora não ter sido uma revolucionária da dança
nem ter deixado uma doutrina precisa sobre sua arte de dançar, não se pode negar que
ela marcou o surgimento de uma dança “diferente”. Uma dança que resulta de um
movimento interno. Expressar os próprios sentimentos na dança é uma característica que
encontramos na dança contemporânea, além das simples habilidades motoras andar,
correr e saltar que aparecem como movimentos expressivos de uma linguagem que fala
do intérprete e do mundo. Duncan proporcionou à dança novos valores culturais e
transitou pelas linhas moleculares e de fuga6 trazendo a desconstrução e reorganização
do artefato cultural analisado. Desse modo ela provoca um deslocamento do poder que
antes estava sob a hierarquia da técnica clássica. Não que esta técnica tenha perdido seu
poder, mas sua capacidade de fixação de significados alterou-se a partir do momento que
surge o diferente.
6 Linhas moleculares e linhas de fuga são termos utilizados pelo filósofo Deleuze. Essas linhas funcionam
como traços imaginários que atravessam as relações sociais. As moleculares demarcam os limiares de
mudança que estão por acontecer e ainda não aconteceram, é como uma rachadura no prato, o prato não
quebrou, mas já não é um prato novo. As linhas de fuga são linhas que mudam tudo de lugar e ao mesmo
tempo pode parecer que nada mudou, como o sentimento que leva a uma revolução. É um cortar, é um
atravessar que reorganiza o que era antes.
Rudolf Von Laban (1879-1958) foi mais um dos grandes estudiosos da
dança. Ele estudou o movimento e criou um método, uma linguagem, uma técnica, uma
dança. Ele criou uma nova forma de utilizar o movimento a favor da expressão e discutiu-
a no mundo em que viveu. Laban foi inovador no sentido de criar um método de anotação
da dança, o Labanotation (1926) e uma técnica de dança que seria levada pra escola, a
dança educativa. Laban foi estudar as possibilidades do movimento e sua mecânica,
aliando a elas qualidades específicas que iriam tornar o movimento expressivo para a
dança, e desse modo o mesmo movimento que eu utilizo quando rasgo uma folha de
papel pode ser usado para expressar raiva ou amor, dependendo da qualidade que a ele
será aplicada (suave, brando, repicado). Assim, o método Laban se estabelece através
dos elementos universais do movimento caracterizados por ele: energia, tempo, espaço e
fluência, e dentro de cada item ele explora as diversas possibilidades. Laban conseguiu
entender a diferença entre o gesto mecânico e o gesto cênico e, para tanto, torna possível
qualquer movimento um signo da dança desde que ele expresse algo. Assim sendo,
surge um dos grandes nomes da dança moderna que contribui significativamente para a
dança contemporânea e para a dança na escola como um artefato curricular (ARRUDA,
1988).
Embora Laban tenha criado um método denominado Dança Educativa
que traz muitos signos diferentes da técnica clássica, a começar pelos gestos cotidianos,
a sua dança ainda não é aquilo que estamos discutindo pela abordagem cultural. A Dança
Educativa apresenta uma certa limitação quanto à sua capacidade de criar significados e
permitir releituras. Isto é, ela ainda segue um determinado padrão, existem conceitos
(fluência, espaço, tempo, energia) que servem como orientação para a construção de
uma dança que está mais preocupada no desenvolvimento corporal das habilidades do
futuro dançarino ou de quem dela participe. Em alguns casos, se fala também em dança
coral, esta é executada pelo grupo e cada integrante pode expressar-se por movimentos
próprios que se unem aos movimentos do grupo. Ela não enfoca as relações de poder
presentes na sociedade que podem ser representadas pelo ato de dançar. Obviamente
deve-se reconhecer o mérito de uma nova proposta de dança para a escola, porém é
preciso verificar que ela ainda se apresenta em um molde muito pouco flexível conforme a
realidade de uma sociedade em rede e por mais que ela permita expressões individuais
de movimento, tal fato não garante as ressignificações que propomos.
Podemos dizer que Laban e Duncan inauguram, cada um no seu país,
Alemanha e Estados Unidos respectivamente, com certo fervor, a história da dança
moderna, que na época teve seu valor discutido e questionado. Afinal de contas até que
ponto correr em cena poderia ser chamado de dança? Dançar sem sapatilhas? Como que
um movimento que qualquer pessoa poderia fazer, além do bailarino, estava sendo
chamado de dança? Todos esses impasses e outros acerca da sociedade culminaram em
grandes mudanças na história da dança. O que podemos desprender dessa análise
histórica é seu caráter transgressor diante das relações de poder presentes no contexto
da dança na época. A ruptura promovida por estes dançarinos mostra-nos que,
independente do tempo-espaço histórico, geográfico, político, a luta por significação é
permanente no jogo do poder cultural.
Ruth Saint-Denis (1878-1968) marca definitivamente o nascimento da
dança moderna a partir da idéia mestra de Isadora Duncan: A dança como expressão da
vida interior. Ruth elaborou uma técnica corporal precisa e metódica, formando através
dela muitos alunos, entre eles Ted Shawn, que posteriormente tornou-se seu parceiro na
criação dessa nova dança. Por volta de 1915, os dois parceiros criam a Denishawn
School, escola de dança que tem como um dos métodos de ensino, aulas de dança
acadêmica com os pés descalços. Pela primeira vez as sapatilhas de pontas são
deixadas de lado e o contato do pé com o solo aparece como um novo signo da dança
que se estabelece como método, como técnica, que mais tarde veremos como um dos
elementos característicos da linguagem da dança contemporânea (BOURCIER, 1978).
Essa escola foi essencial para a formação de novas bailarinas que traziam consigo novos
pensamentos em relação à dança, entre elas podemos citar Doris Humphrey e Martha
Graham.
Doris Humphrey (1895-1958) foi uma das discípulas mais próximas de
Ruth na Denishawn e saiu de lá quando identificou que os objetivos de trabalho cênico já
não eram mais os mesmos. Doris, assim como Graham, tinha uma certa necessidade de
criar uma dança autêntica que estivesse relacionada ao contexto americano da época,
uma dança que dialogasse com a realidade e não apenas contasse uma história
superficialmente. Doris traz para dança moderna signos presentes até hoje na dança
contemporânea como as quedas e suspensões, perda e recuperação de equilíbrio.
Ossona (1988, p.77), sintetiza bem a importância da dança de Doris Humphrey afirmando:
Ela sublinhou na dança a dignidade e nobreza do ser humano, que se vê
em permanente conflito entre seu desejo de progresso e sua necessidade
de estabilidade; entre a paz que oferece o equilíbrio e a atração do perigo
que representa a queda.
Martha Graham (1894-1991) é outro nome bastante considerado na
dança moderna americana que influenciou a dança moderna do mundo. Diferente de
outros intérpretes-criadores, Martha começou a dançar na sua adolescência, o que para
alguns da época era considerado tarde e somente aos 16 anos participou de seu primeiro
espetáculo. Foi na Denishaw School, de 1916 a 1923 que ela teve um contato maior com
a dança tanto como bailarina quanto como assistente de Ted Shaw, e foi justamente
nessa época que começou a incomodar o tipo de dança que fazia. Para ela, a dança
relacionada a temas divinos e rituais de outras culturas não era mais interessante. Ela
queria dançar o mundo, ela queria dançar os problemas atuais de sua época, e é
justamente a partir desse conceito que ela vai estudar para posteriormente desenvolver a
sua técnica de dança moderna, o seu modo de composição coreográfica e a sua
dramaturgia na dança. Graham trabalha com alguns signos semelhantes ao de Humphrey
como as quedas e suspensões. Mas o que definitivamente marca o seu método é a
questão da contração muscular e o seu relaxamento, chamado por ela de release, é no
centro do corpo, da região pélvica que parte todo o movimento (BOURCIER, 1987).
Logicamente que Martha agregou à sua técnica signos da dança clássica,
mas construiu uma linguagem única na dança que prevalece ainda hoje e que também
tem muitos de seus signos utilizados na dança contemporânea. Ela procurou novas
formas de execução de movimentos já existentes na dança clássica, realizando a
ressignificação de um texto. Não é somente a técnica que marcou o nome Martha
Graham na história da dança, mas a sua preocupação com a emoção de um gesto. A
emoção que deve chegar ao público para que esse não entenda uma história, um fato
propriamente dito, mas que sinta a emoção do que aquilo representa. Esse preceito é um
dos que permanecem na dança contemporânea como essencial para que a mesma faça
sentido dentro daquilo que se propõe a sê-lo. Martha criou um modo de preparação do
corpo para a dança contemporânea, um modo orgânico e seguro (HOROSKO, 1989).
A técnica utilizada nos trabalhos cênicos de Martha nunca deixou de ser a
sua dança moderna e mesmo que ela abordasse temas da atualidade, ainda sim é dança
moderna, é a linguagem única de Graham. Uma linguagem que preza pela expressividade
da dança e para tal dedicou sua carreira toda. A técnica Graham foi passada aos seus
alunos e até hoje faz parte da grade de aulas de muitas escolas de dança, inclusive no
Brasil. Não há como não falar da influência dessa criadora em outros artistas da dança,
como, por exemplo, Merce Cunningham (1919-2009), que foi aluno de sua técnica e
bailarino de sua cia. por muito tempo, e que após alguns anos de estudo e de experiência
na dança segue seu caminho sozinho. Um caminho que resulta em uma nova técnica,
uma nova linguagem e um novo modo de olhar para a dança (BOURCIER, 1987).
Novamente o que vemos é o espaço da ressignificação contaminando o mundo da dança.
Dançar é um constante recriar.
Esse criador, juntamente com Pina Bausch (1940-2009), podem ser
considerados os grandes nomes da dança contemporânea, não somente pelo fato de
estarem coreografando até hoje, mas acima de tudo por terem realizado a transição da
dança moderna para a contemporânea. Ao assistir os trabalhos artísticos de ambos, vê-se
nos corpos dos bailarinos traços da dança clássica, expressão da dança moderna, gestos
teatrais, mas, sobretudo observa-se um novo texto de movimentos. É uma nova forma de
dançar, que pode falar do mundo, do homem, do animal, ou de nada, simplesmente falar.
O que importa já não é o texto que eu quero que você leia, mas o que cada espectador
pode ler, a partir do seu constante diálogo com outros textos culturais do mundo. O que
se vê não é uma técnica com movimentos determinados e específicos, e sim uma
construção de linguagem que varia de coreógrafo para coreógrafo. E por mais que
tenham signos e códigos da dança em comum, a linguagem e o estilo de cada criador é
singular, porque depende diretamente da sua experiência com o mundo e da relação com
o seu grupo.
A multiplicidade de leituras que uma mesma obra pode proporcionar já
era vista em 1913 com Marcel Duchamp7, em sua obra “Roda de Bicicleta”, e é a nova lei
que rege a dança contemporânea. Portanto não importa a técnica em si, mas o que pode
resultar dela, e como o gesto cênico pode emocionar, podem levantar uma questão e
pode não falar coisa nenhuma (GLUSBERG, 2003).
7 Marcel Duchamp foi considerado um dos fundadores da arte contemporânea por meio da
pintura e das artes Plástica. O ready made “Roda de Bicicleta” é a elevação de um objeto do
cotidiano ao status de arte produzindo nova função e valor para a obra artística.
Os primeiros nomes que marcaram a Dança Contemporânea
Segundo Amorim e Queiroz (2001), Cunningham inovou em sua dança
por construir uma nova forma de se movimentar e de não ter medo de ousar em suas
experimentações. Dessa forma construiu uma técnica com alguns signos do balé clássico
(movimentos de braços, pernas e saltos), da dança moderna (torções, rotação de tronco,
contrações) e muito da sua criatividade que contou com novas formas de deslocar pelo
espaço. Ou seja, suas danças eram criadas de maneira a serem dançados em quaisquer
espaços físicos, teatros, ginásios esportivos, praças, etc. O modo de organização das
seqüências coreográficas também era bem peculiar, sendo muitas vezes decididas por
algum tipo de sorteio. E assim o acaso também se tornou um aliado do seu trabalho, além
das suas inovações tecnológicas na dança, através da iluminação cênica, vídeos e até
software. Para muitos, este criador foi o primeiro a unir a dança e a tecnologia
descobrindo uma nova forma de fazer arte, um novo modo de escrever o mundo. Um
vanguardista da dança.
Enquanto Merce Cunningham marcou a dança americana, Pina Bausch,
marcou a dança alemã com sua dança teatro. O termo dança teatro já era utilizado por
Laban, através de pequenas improvisações que envolviam voz, poemas e gestos teatrais.
Pina foi aluna de Kurt Jooss (1901-1979), criador este que associou a dança ao teatro
para emocionar e fazer uma obra de arte crítica. Fazer uma dança que olhasse para o
mundo e para o que nele ocorria. Não existe uma técnica corporal específica utilizada na
dança-teatro, qualquer movimento seja do balé clássico, da dança moderna, da mímica
teatral ou até mesmo um gesto cotidiano, pode fazer parte da cena. O que muda nessa
linguagem é o modo de criação das seqüências que conta com o potencial criador de
cada bailarino e com o motivo que faz cada um criar, isto é existe um ponto de partida que
pode ser considerado um tema que norteará a criação. A dança-teatro não tem regra
definida. Ela vem para ser dinâmica, cotidiana e abstrata ao mesmo tempo. A linguagem
simbólica desse modo de dançar é constante para dançarinos e espectadores que, a cada
gesto cênico podem sentir, ler e ressignificar de formas diferentes o texto cultural
proposto. E nesse quesito encontra-se a contemporaneidade dessa dança que até hoje
faz seus espectadores se surpreenderem com a capacidade de múltiplas leituras de um
simples gesto diário colocado na cena (FERNANDES, 2000).
Chegando ao fim do nosso percurso histórico é relevante lembrar que
talvez tenha ficado de fora alguns bailarinos, coreógrafos e músicos que possam ter
contribuído para o surgimento da dança contemporânea, pois as mudanças muitas vezes
aconteciam ao mesmo tempo e em diversas partes do mundo e os registros e
documentação nem sempre foram possíveis. Sendo assim é preciso nomear certas
características da dança contemporânea para que não fique a idéia de que qualquer tipo
de movimentação e manifestação pode ser associado a ela. A técnica contemporânea
não é fechada, porém existem signos em comum vindos desde a dança moderna, são
eles: os rolamentos (de todos os tipos), as quedas e recuperações, torções, gestos
teatrais e do cotidiano, movimentações pelo solo (deslizes), movimentos de força (flexões
e sustentações do corpo), contrações e expansões, saltos com apoios, textos falados,
elementos cênicos diversos. Independente da linguagem do grupo, alguns desses
elementos são sempre identificados, o que vai caracterizar o estilo de cada companhia de
dança é a qualidade impressa nos movimentos, a forma de construção coreográfica e as
discussões que cada um provoca. A pesquisa por um modo peculiar de construir o
artefato em questão cria a identidade do grupo e as suas possíveis transposições com o
mundo que os fala. Assim, podemos olhar para grandes grupos de Dança
Contemporânea do Brasil como o Quasar (GO), Corpo (MG), Cena 11 (SC), Cisne Negro
(SP), Cia Débora Colker (RJ), entre outros, e reconhecer movimentos em comum, porém
todos os trabalhos se apresentarão de forma completamente distinta. Podemos perceber
essas sutilezas ao assistir às quedas com os corpos chapados no solo utilizadas pela
Cena 11 e às quedas leves, em espirais, sem ruídos realizadas pelo Quasar. Ambos
incluem o signo queda em suas produções, mas o modo de execução é diferenciado,
permitindo diversas leituras, discussões e ressignificações. Essa possibilidade da dança
contemporânea é o que a torna importante como temática curricular.
Na composição de um espetáculo de dança contemporânea, cada coisa é
pensada de acordo com toda uma linguagem. Assim cenário, figurino, iluminação, música,
espaço, enfim todos os elementos fazem parte de um contexto, que muitos denominam,
resumidamente, como dramaturgia da dança. Isso significa que um tipo de iluminação não
acontece somente por ser mais bela, ela aparece porque dialoga com a coreografia e com
a mensagem do trabalho, faz parte do todo. O mesmo vale para os outros elementos.
Algumas companhias fazem desses elementos verdadeiros ícones de sua linguagem.
Exemplos disso são os cenários de Deborah Colker que não servem apenas para ilustrar
um espaço, eles são elementos da dança; as malhas utilizadas como figurino pelo Grupo
Corpo se tornaram marcas de sua linguagem cênica assim como a tecnologia inusitada
da Cia Cena 11 e a ironia humorística do grupo Quasar. À primeira vista é difícil perceber
tais detalhes, mas após assistir a diferentes espetáculos do mesmo grupo, é possível
perceber os signos que se repetem e compõem a linguagem particular de cada um.
Olhar a trajetória da dança pelos acontecimentos do mundo é perceber
que ela sempre está de acordo com um contexto histórico e social e não há como
descolar a arte da realidade como uma forma de representação e ressignificação do
mesmo. Nossa trajetória histórica iniciou com Noverre por volta de 1760 até os dias
atuais. Esse período foi marcado por importantes fatos históricos no campo da política,
economia, das artes: I Guerra Mundial (1914-1918), Queda da bolsa de Nova York (1929),
Fascismo (1922-1945), Nazismo (1933-1945), II Guerra Mundial (1939-1945), Guerra Fria
(1945-1950), Guerra do Vietnã (1962-1975), Semana de arte Moderna (1922), Ditadura
Militar (1964-1985), dadaísmo, futurismo, bauhaus, entre vários outros. Com certeza tais
fatos influenciaram artistas e suas obras, por fazer parte de seu contexto histórico, para
maior acesso a essas relações é preciso um aprofundamento na vida e obra de cada
artista. Assim como as atuais companhias trazem seus trabalhos contemporâneos em um
constante diálogo com o mundo ao redor. Olhar a dança nos seus mais distintos grupos e
ver o quanto que ela fala deste grupo. É fundamental entender a dança como forma de
conhecimento e não unicamente como um entretenimento que se presta somente ao
divertir e não à formação de conhecimento. Que pode através de sua técnica não definida
e da sua linguagem não específica passar por qualquer mundo, por qualquer cultura e
ainda sim falar sobre eles de um modo plural e único ao mesmo tempo. Conhecer melhor
essa dança é compreender as rupturas que ela propôs para se validar como uma área de
conhecimento e as transformações dos valores culturais do artefato Dança. A luta
constante pela fixação de significados e possibilidade de representar o mundo permitindo
ao sujeito múltiplas interpretações do texto cultural.
Um breve histórico da dança contemporânea no Brasil
A dança contemporânea no Brasil, assim como sua história no mundo,
não tem uma data e uma forma única de surgimento e estabelecimento. Ela é fruto de
transformações e influências. Foi a partir da II Guerra Mundial (1939-1945) que muitos
artistas de outras partes do mundo chegaram ao país na tentativa de escapar dos
conflitos. Esses artistas trouxeram consigo novas idéias e experiências estéticas que
influenciaram a dança brasileira, entre eles podem destacar: Maria Duschenes, Renné
Gumiel, Nina Verchinina, Marika Gidali, entre outros. A maioria desses artistas ficou
instalada no eixo Rio-São Paulo não somente como bailarinos clássicos em companhias
de dança como também propuseram novas formas de dançar.
Maria Duschenes (nascida em 1922) veio para o Brasil em 1940 e trouxe
consigo os princípios da dança moderna de Laban, focando o seu trabalho na dança
educativa e na dança coral. Sua carreira se estabeleceu mais como professora do que
bailarina. A dança educativa para ela permite o esforço do corpo para se movimentar, a
descoberta do espaço, da comunicação e da relação com o meio e as outras pessoas. A
dança é a expressão individual de sentimentos e a comunicação de idéias, de
pensamentos. Com este trabalho se tornou responsável pela coordenação do Projeto
Dança/Arte do movimento realizado em bibliotecas da prefeitura de São Paulo com
parceria da Secretaria Municipal de Cultura (1984-1994). A partir de 1999, Duschenes, foi
progressivamente interrompendo sua carreira devido a problemas de saúde. Com o seu
trabalho formou diversos professores que ainda hoje trabalham com a dança educativa do
método Laban.
Renné Gumiel (1913-2006) pode ser considerado um dos nomes mais
antigos e conhecidos no cenário da dança brasileira. Renné foi uma francesa que chegou
ao Brasil pela primeira vez nos anos 50. Entre suas idas e vindas pelo mundo fez aula
com Kurt Joss e Rudolf Laban, conheceu Charles Chaplin, Pablo Picasso entre outros.
Em 1957 foi convidada por um embaixador a criar a dança moderna no Brasil, desde
então se fixou no país e em 1961 fundou sua escola e iniciou todo um percurso. Foi a
fundadora da Cia de Dança Contemporânea Brasileira e participou de movimentos no
Teatro de Dança Galpão, Teatro Brasileiro de Comédia, no Ballet Stagium e Balé da
Cidade de São Paulo. Bailarina e atriz, Gumiel sempre trabalhou com a interface das duas
linguagens cênicas. Considerada a bailarina mais velha em atividade, aos 92 anos
prestes a completar 93, ela ainda dava aulas de dança no Teatro Escola Célia Helena e
participava do espetáculo “Os sertões” do Teatro Oficina sob direção José Celso Martinez
Corrêa. Seus primeiros trabalhos em 1957 não foram muito aceitos pelo público, mas ela
persistiu em sua contemporaneidade derrubando alguns preconceitos e se tornando um
nome fundamental para a história da dança contemporânea brasileira.
Nina Verchinina (1910-1995) chegou ao país em 1954 a convite de Caribé
da Rocha para coreografar o espetáculo “Fantasia e Fantasias” e apesar de também ser
reconhecida como uma das principais figuras da dança moderna brasileira, seu nome não
ganhou tanto destaque quanto ao de Renné Gumiel. Ela foi uma bailarina com
experiência em diversas companhias do mundo, dançando com renomados coreógrafos
como George Balanchine. Também foi uma pesquisadora do movimento onde teve
contato com as técnicas de Laban, Duncan e Graham. Na sua primeira vinda ao Brasil em
1946, na Escola de Dança do Teatro Municipal do Rio de Janeiro tentou implementar a
técnica da dança moderna com o trabalho no chão, a flexibilização do tronco e os pés
descalços. Não foi bem aceita, foi considerada transgressora e para alguns até imoral, o
que a fez retornar à Europa. Foi somente na segunda vez que chegou no Rio de Janeiro
que percebeu que o público estava mais aberto às tendências modernas, desde então se
estabeleceu fundando sua escola de dança, ao qual trabalhou até o seu falecimento. Na
sua escola criou sua metodologia de dança moderna denominada por ela mesmo de
“dança moderna expressionista”. Para Nina a dança tinha que falar da realidade, do
contexto e isso aparecia em seus trabalhos, considerados inquietantes para a crítica.
Nunca se deixou levar por modismos e frivolidades e ao final da sua carreira, pouco
apresentava seus trabalhos para a crítica. A importância de seu trabalho veio com a
formação de muitos professores, bailarinos e coreógrafos do Rio de Janeiro que viriam
nas décadas de 80 realmente estabelecer a dança contemporânea.
Marika Gidali (nascida em 1937) iniciou seus estudos em dança na cidade
de São Paulo como bailarina clássica, fazendo parte da Cia IV Centenário em 1954. No
início de sua carreira dançou em diversas companhias, em musicais e chegou a
coreografar para a TV. Mas foi nos anos 70, durante o período ditatorial que ela começou
a experimentar uma nova leitura do gesto, procurando trazer traços da cultura brasileira
para falar da problemátca social do país e de alguma forma burlar a censura, comum na
época.
A Ditadura Militar se caracterizou por um período de censura, repressões
e violência. A expressão nas artes ficou altamente limitada e artistas que tentavam dar
voz aos acontecimentos políticos, econômicos e sociais eram punidos severamente.
Durante esse período foram criados Atos Institucionais que determinavam leis da noite
para o dia, dependia apenas do interesse dos militares que estavam no poder. O Ato
Institucional número 5 (AI-5) foi considerado como o mais repressor de todos e nesse
momento histórico, os chamados subversivos eram torturados no caso de serem presos
por alguma infração, exilados e desaparecidos. Grande estado de terror se estabeleceu
em todo país. Foi em 1968 que o mundo parecia explodir, e em nosso país as
manifestações contra o regime se mostraram mais ferrenhas e a repressão militar a essas
manifestações também (NOSSO SÉCULO, 1986). Além disso, a censura midiática
impedia que a maioria da população tivesse acesso ao que por aqui ocorria. Na maioria
das vezes a mídia encontrava formas de omitir àqueles que queriam falar sobre o que
acontecia dando voz àqueles que não iam contra ao governo. Exemplo disso está nos
movimentos da música brasileira representados pela Jovem Guarda versus Tropicália.
Enquanto a Jovem Guarda, liderada por Roberto Carlos e Erasmo Carlos, cantava
músicas de amor, a Tropicália representada por Caetano e Gil, entre outros tentava cantar
a realidade do país.
Diante dessa realidade, em que a proibição e o medo de uma revolução
socialista tomou conta do país, a dança contemporânea foi encontrando seu espaço
através do Ballet Stagium, companhia de dança de São Paulo sob direção de Décio Otero
e Marika Gidali. Se o cinema e o teatro encontravam dificuldades para expressar as
opiniões sobre o que estava acontecendo no país, assim como a música, que utilizava
metáforas para bradar sua indignação política, a dança através da sua linguagem
múltipla, passível de variadas interpretações, encontrou terreno fértil para desviar a lei da
censura. Foi a partir da Ditadura que outras companhias de dança foram se organizando,
principalmente, no Rio de Janeiro e em São Paulo, abrindo espaço para uma outra
linguagem da dança, além do até então consolidado balé clássico. Quando os
coreógrafos perceberam que a interpretação do gesto era muito mais complexa do que a
palavra, a criação em dança se tornou uma forma de expressar o sentimento de revolta
que assolava parcela da sociedade. Aos poucos, o teatro foi se encontrando com a dança
e muitos musicais foram montados em parcerias com coreógrafos contemporâneos da
época na tentativa de burlar o taxativo AI-5, mas, em muitos casos era irremediável a
censura. Sendo assim, é inegável que o Regime Militar tenha contribuído, mesmo sem o
propósito, para o desenvolvimento da Dança Contemporânea no Brasil (REIS, 2005).
Marika Gidali consagrou a dança contemporânea por meio da Cia Ballet
Stagium que entre tantas inovações foi a primeira a utilizar MPB na trilha sonora e criar
espetáculos que possam ser dançados em qualquer espaço físico. Com tanto
reconhecimento em 1999 se tornou coordenadora dos projetos de dança na Febem,
trabalhando junto com os professores de dança de rua criando o que eles chamam de
“aula-espetáculo”. O Ballet Stagium já se apresentou diversas vezes na Febem e Marika
junto com Décio já foram convidados a conhecer o sistema carcerário de outros países
para auxiliar no desenvolvimento do Projeto.
Ruth Rachou (nascida em 1927) é uma brasileira, natural de São Paulo
que desde cedo também teve muita importância para a história da dança moderna no
Brasil. Dançou com Gidali na Cia IV Centenário em 1954 e em suas viagens ao exterior
teve contato com a técnica de Martha Graham, José Limon e Merce Cunningham. A
carreira de Ruth é marcada por experiências diversas o que resultou na abertura de sua
escola em 1972 que funciona ainda hoje, criação do seu grupo de dança Ruth Rachou em
1992 e desde 1989 é professora de dança moderna na Escola de Bailados da Prefeitura
de São Paulo. A sua escola é uma das poucas com aulas de técnica Graham com
professores formados na escola da própria nos Estados Unidos.
Todas essas personalidades fizeram parte do surgimento da dança
contemporânea no Brasil, influenciando muitos professores, coreógrafos e bailarinos que
desenvolvem seus trabalhos atualmente. Como dito anteriormente a dança
contemporânea não se apresenta como uma metodologia única, e isso amplifica a sua
diversidade e o seu diálogo com outros artefatos culturais. Atualmente existem novas
possibilidades para os estudos na dança na área de improvisação, contato-improvisação,
criador-intérprete, performance, dança-teatro, dança-multimídia. Os campos de pesquisa
em dança tem se apresentado de forma muito diversificada e em alguns casos é difícil
classificar o trabalho como dança, performance ou teatro, muitos limites estão sendo
atravessados.
Principais companhias de dança contemporânea brasileira
.
Ballet Stagium (SP): Direção de Marika Gidali e Décio Otero, fundada em 1971.
Principais espetáculos: “Diadorim”, “Navalha na carne”, “Missa dos Quilombos”,
“Anjos da praça”.
.
Grupo Corpo (MG): Direção de Paulo Perdeneiras e coreografia de Rodrigo
Perdeneiras, fundado em 1975 na cidade de Belo Horizonte. Principais
espetáculos: “Maria, Maria”, “Missa do orfanato”, “Lecuona”, “Onqotô”, “Breu”,
“Imã”.
.
Grupo Quasar (GO): Direção de Vera Bicalho e coreografia de Henrique
Rodovalho, fundado em 1988 na cidade de Goiânia. Principais espetáculos:
“Vérsus”, “Coreografia para ouvir”, “Empresta-me teus olhos”, “Só tinha de ser com
você”, “Por instantes de felicidade”, “Céu na boca”, “Tão próximo”.
.
Companhia de Dança Deborah Colker (RJ): Direção de Deborah Colker, fundada
em 1994. Principais espetáculos: “Rota”, “Casa”, “4 por 4”, “Nó”, “Dínamo”, “Cruel”.
Em 2009 Deborah foi a primeira mulher e brasileira convidada a dirigir um
espetáculo do Cirque Du Soleil, “Ovo”.
.
Grupo Cena 11 (SC): Direção de Alejandro Ahmed, fundado em 1994. Principais
espetáculos: “Respostas sobre dor”, “Skinnerbox”, “Pequenas frestas de ficção
sobre realidade insistente”. Seus trabalhos são propostas em desenvolvimento e
dialogam com os campos da performance, intervenções urbanas e afins.
.
Cisne Negro Cia de dança (SP): Direção de Hulda Bittencourt, fundada em 1977.
Principais espetáculos: “Abacadá”, “Atmosferas”, “Vem dançar”
.
Balé da Cidade de São Paulo: Direção de Lara Pinheiro (desde 2009) foi fundada
em 1968 apenas como Cia clássica e somente em 1974 que se tornou Cia de
dança contemporânea. Principais espetáculos: “Giselle”, “Crônicas do tempo”,
“Terra Papagallis”
.
São Paulo Cia de Dança: Direção de Iracity Cardoso e Inês Bógea, fundada em
2008 pela Secretaria de Estado da Cultura do Governo do Estado de São Paulo.
Principais espetáculos: “Serenade”, “Gnawa”, “Entreato”, “Passanoite”, “Os duplos”.
.
Cia Nova dança 4 (SP): Direção de Cristiane Paoli Quito, fundada em 1996 como
grupo de pesquisa e performance. Principais espetáculos: “Tráfego”, “O beijo”,
“Influências”, “Acordei pensando em bombas”, “Palavra, a poética do movimento”.
.
Cia Oito Nova Dança (SP): Direção de Lu Favoretto, fundada em 2000.Principais
espetáculos: “Folhas secas, flores prateadas”, “Tu-tall”, “Modos de ver”, “Trio de
dois três de quatro”, “Devoração”.
.
Cia Sociedade Masculina (SP): Direção de Anselmo Zolla, fundada em 2005.
Desperta interesse por somente conter homens em seu elenco, oito no total.
Principais espetáculos: “Shiva Quevarim”, “Samba”, “Memórias”.
.
Companhia de Danças de Diadema (SP): Criada em 1995 por Ivonice Satie e sob
direção de Ana Botosso desde 2003. “Pierrot de veias”, “Linha de montagem”,
“Rap.xote”, “Balaio de danças”, “No prego”, “Meio em jogo”.
.
Cia Domínio Público (SP): Direção de Holly Cavrell, criada em 1995 dentro do
departamento de Artes Corporais da Unicamp. Principais espetáculos: “Efêmer@”,
“Babel”, “Tatilidade”.
.
Companhia de Ballet da Cidade de Niterói (RJ): Fundada em 1992, direção de
Roberto Lima. Principais espetáculos: “Choros e valsas”, “Desatino”.
.
Ballet Teatro Guaíra (PR): Foi criado em 1969. A princípio apresentava somente
trabalhos clássicos e aos poucos foi incluindo os trabalhos na linha
contemporânea. Atual direção de Carla Reinecke. Principais espetáculos: “O
grande circo místico”, “Pequeno mundo”, “O segundo sopro”, “Trânsito”.
.
Raça Cia de dança (SP): Criada por Roseli Rodrigues em 1990. Atualmente sob
direção de Edy Wilson. Principais trabalhos: “Cartas brasileiras”, “Tango sob dois
olhares”, “Caminhos da seda”, “3.2”, “Novos Ventos”.
REFERÊNCIAS
ACHCAR, D. Balé: uma arte. Rio de Janeiro: Ediouro, 1998.
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