A organização do movimento corporal, individual ou em
grupo, com finalidade estética, é o que caracteriza a composição coreográfica,
e requer dos praticantes, entre outras, noções
de espaço, noções de tempo e uma execução especializada e estética do movimento
corporal.
Segundo o
pensador francês Edgar Morin, é através do
aprendizado que o ser humano desenvolve as potencialidades da vida. Embora
seja inegável a quantidade de competências que o estudo e prática das formas
corporais no espaço-tempo (emprestando o termo usado pela artista pedagoga
Fayga Ostrower) podem desenvolver, os estudos em neurociências e ciências da
cognição ainda não podem responder com precisão que articulações cerebrais são
exigidas ou desenvolvidas no esforço por tais aprendizados, nem confirmar
exatamente se as competências adquiridas nessas áreas de conhecimento são
transferíveis para outras áreas da atuação humana. Temos a forte intuição que
sim.
Photo JSCHUZE - Denis e Ana Carla - Festival Visões Urbanas SP |
Para o
neurocientista português António Damásio a
consciência se desenvolve pelo, no, e para o movimento corporal. Para o
biólogo chileno Humberto Maturana o corpo é a nossa
possibilidade e condição de ser, e para a psicopedagoga Alícia Fernandez, no movimento o corpo sintetiza
movimentos eficazes para apropriação do “em torno” por parte do sujeito.
Ou seja, o conhecimento do espaço-tempo, que implica um conhecimento de si
mesmo, bem como a apropriação do estar/ser no mundo é realizado pelo sujeito
numa atividade corporal, que não é simplesmente mecânica ou funcional, nas suas
bases um processo emocional/subjetivo de desenrola. Lembrando
mais uma vez Maturana é a emoção que nos envolve e nos movimenta para o
aprender, o que está envolvido no aprender para o biólogo é a transformação de
nossa corporeidade.
O filosófo
francês Merleau-Ponty define, ainda nos idos
dos anos 60, a relação entre o corpo e o espaço: ter
um corpo, para um ser vivo, é juntar-se a um meio definido, confundir-se com
seus projetos e empenhar-se continuamente neles. O filósofo afirma ainda
que o mundo não é algo exterior ao corpo, mas está
integrado à existência pragmática, é sempre aquilo para o que o corpo se
polariza, não se trata, portanto, de uma apropriação que o corpo faz do
conhecimento, mas de um deslocamento da corporeidade em direção ao que ainda
não sabe, porém intui como possibilidade.
Ao organizar o
corpo em relação ao espaço-tempo, portanto, o corpo desenvolve habilidades não
só relacionadas com um melhor desempenho corporal. Na sua complexidade a
composição coreográfica envolve a consciência de si, do espaço (com todas as
suas minúcias sensoriais), do tempo (e suas interpretações e agenciamentos), da
cultura (com todos os seus mecanismos de felicidade e controle: vide Michel Foucault),
da capacidade de abstração, e lógica..
Enfim, todos os quesitos da existência corporal são avaliados,
questionados e pressionados por uma investigação legítima em composição
coreográfica, já que, como qualquer um de nós pode auferir, os aprendizados são,
em sua base, corporais, e é a partir dele, sempre do corpo, que toda uma sempre
crescente gama de aprendizagens se tornam possíveis.
É nesse
sentido que a corporeidade não pode ser tratada como fonte complementar de
critérios educacionais, mas seu foco irradiante primeiro e principal, como
afirmam os novos pesquisadores em motricidade. Embora seja forçoso reconhecer
que em “nossa educação”, principalmente nas Escolas Públicas, esses conceitos
passem a milhas de distância.
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