Jorge L. Schutze
Jal Oliveira: foto JSchutze |
Via de regra
todo movimento (e não movimento) do corpo é expressivo, se considerarmos que o
corpo mesmo ao fingir uma determinada emoção, na prática expressa exatamente o
que lhe acontece, quer o desvendemos ou não. A relação entre expressividade,
corporeidade e emoção desde Francoise
Delsarte, no início do século XX, fomenta os estudos teóricos das artes
cênicas. Quando se compreende o corpo imbricado de suas múltiplas dimensões:
psicologia, cognição, emoção, sensibilidade, biologia, etc. pode se dizer que o
corpo na verdade expressa a si mesmo, já que na pratica a unidade corpo
expressa um agenciamento de todos os fenômenos que lhe acontecem num determinado
instante. Mesmo que um desses fenômenos seja exatamente ocultar o que sente, o
corpo somente pode expressar a ocultação desse fenômeno, mesmo que ninguém além
de si mesmo o possa perceber. Ou seja, o corpo fornece ao ambiente, através de
sua corporeidade, um mapa de toda a sua condição a cada instante, mesmo em
condições de isolamento.
Segundo
o neurocientista António Damásio são
essas especificidades corporais que momento a momento também fornecem ao
cérebro um mapeamento das suas condições, e que por meio da homeostase
articulam o reequilíbrio, caso necessário, de suas funções. Em outras palavras,
o corpo expressa-se também para si mesmo, ou como ele mesmo afirma,
principalmente para si mesmo, realizando assim o fenômeno da consciência,
talvez o quesito mais importante para a manutenção e evolução da vida do ser.
Jal e Alexandre: Foto JSchutze |
Tradicionalmente,
nas artes corporais, expressividade refere-se à capacidade corporal de
ordenar-se com eloquência e clareza, no intuito de provocar no outro
determinados sentidos e percepções no âmbito estético intelectual, e com isso
promover uma maior empatia emocional entre o artista e o espectador. Foi a
partir de tais premissas que o trabalho de Stanislavski
foi formulado. Para isso o corpo deveria ser treinado tecnicamente a fim de cumprir
os seus propósitos enquanto artista cênico. É esta a ideia contida, por
exemplo, num dos seus parâmetros fundamentais da interpretação do ator: a
memória emotiva.
Com
base nos recentes estudos em neurociências (Damásio), identidade e cultura (Stuart Hall) e sistemas (Mario
Bunge), hoje tais conceitos podem ser questionados. Se como disse
anteriormente o corpo é sempre expressivo do que lhe acontece a nível
emocional, como se podem enriquecer os estudos sobre expressividade, a fim de
dar-se conta das exigências que o próprio corpo possui de manter-se não
simplesmente vivo, mas “em vivacidade”, que é o que se espera minimamente de
uma apresentação cênica?
Rudolf Laban, precursor das técnicas
contemporâneas de dança, preocupado com a falta de vitalidade dos atores e
bailarinos de sua época, desenvolveu suas pesquisas focando-se basicamente nos
estudos da mecânica do movimento humano, com isso poderia libertar o movimento
e a dança de qualquer dominação estética.
Irmgard Bartenieff, discípula de Laban, vai apostar na observação do
desenvolvimento ontogenético (do embrião) e filogenético (das espécies), como
uma chave para o destrave da movimentação corporal, tornando assim o corpo mais
expressivo. E a partir dai formula sua técnica. As suas ideias influenciaram
grandemente os estudos corporais, e também as práticas terapêuticas que se
seguiram, tendo como base a noção ainda não de todo abandonada de que o corpo
com suas vivencias na cultura, deparando-se com suas frustrações desenvolveria
“couraças” musculares (Wilhelm Reich),
e que um processo técnico-terapêutico poderia devolver-lhe a liberdade
expressiva. Desse conceito desenvolveram-se várias técnicas e terapias
corporais (Bionergética, Consciência Corporal, Somaterapia, etc.).
Segundo
os estudos de Christine Greiner,
pesquisadora do corpo em seus processos artísticos, a diferença fundamental
entre o corpo artista e o corpo não artista é a consciência de sua
expressividade durante a sua apresentação pública, um sentido de presença que
nada mais é do que uma consciência amplificada de tudo o que acontece no
momento da apresentação incluindo-se aí a própria condição do corpo artista e
seus sentimentos.
Se
para António Damásio é o movimento
que gera a consciência, o exercício das possibilidades corporais, quando legitimamente
motivadas promoveria uma maior consciência e por sua vez uma maior
expressividade corporal. Se observarmos o nosso próprio movimento podemos
constatar que para se gerar o movimento há necessidade de um nível de consciência,
que na prática se confunde com o próprio movimento. Nesse sentido para que o
corpo se torne expressivo e preciso que se insista na consciência, que em todo
caso é sempre aqui e agora, mesmo no caso das lembranças ou dos projetos
futuros, já que estão sendo sempre vivenciados no presente.
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